11.27.2007

Escrever é Exorcizar


Concordo e assino embaixo, e com letra bonita:


"Só tenho vontade de escrever num estado explosivo, na excitação ou na crispação, num estupor transformado em frenesi, num clima de ajuste de contas em que as invectivas substituem as bofetadas e os golpes. (...) Escrevo para não passar ao ato, para evitar uma crise. A expressão é alívio, desforra indireta daquele que não consegue digerir uma vergonha e que se revolta em palavras contra os seus semelhantes e contra si mesmo. A indignação é menos um gesto moral que literário, é mesmo a mola da inspiração. E a sabedoria? É justamente o oposto. O sábio em nós arruina todos os nossos élans, é o sabotador que nos enfraquece e nos paralisa, que espreita em nós o louco para dominá-lo e comprometê-lo, para desonrá-lo. A inspiração? Um desequilíbrio súbito, volúpia inominável de se afirmar ou de se destruir. Não escrevi uma única linha na minha temperatura normal. (...) Escrever é uma provocação, uma visão infelizmente falsa da realidade, que nos coloca acima do que existe e do que nos parece existir. Competir com Deus, ultrapassá-lo mesmo apenas pela força da linguagem, esta é a proeza do escritor, espécime ambíguo, dilacerado e enfatuado que, livre da sua condição natural, se entregou a uma vertigem magnífica, sempre desconcertante, algumas vezes odiosa. Nada mais miserável do que a palavra, e no entanto, é através dela que atingimos sensações de felicidade, uma dilatação última em que estamos completamente sós, sem o menor sentimento de opressão. O supremo alcançado pelo vocábulo, pelo próprio símbolo da fragilidade! Pode-se alcançá-lo também, curiosamente, através da ironia, com a condição de que esta, levando ao extremo sua obra de demolição, cause arrepios de um deus às avessas. As palavras como agente de um êxtase invertido... Tudo o que é realmente intenso participa do paraíso e do inferno, com a diferença de que o primeiro só podemos entrevê-lo, enquanto o segundo temos a sorte de percebê-lo e, mais ainda, de senti-lo. Existe uma vantagem ainda mais notável de que o escritor tem o monopólio: a de se livrar de seus perigos. Sem a faculdade de encher as páginas me pergunto o que eu viria a ser. Escrever é desfazer-se de seus remorsos e rancores, vomitar seus segredos. O escritor é um desequilibrado que utiliza essas ficções que são as palavras para se curar. Quantas angústias, quantas crises sinistras venci graças a esses remédios insubstanciais!"

[Confissão Resumida, páginas 123 e 124;
"Exercícios de Admiração", de E. M. Cioran]

3 comentários:

  1. Anônimo2:40 PM

    Bem concordo plenamente! Escrever é exorcizar! E não somente exorcizar os demonios mais aparentes, mas também aqueles que estão cravados no mais profundo de nós mesmos; aqueles que nos devoram sem que ao menos saibamos disso.
    Escrever é ter por instantes a certeza do que virá, ter o controle dos traumas, das alegrias e do destino... ao menos no papel!

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  2. Posso lhe dizer que para mi a escrita sempre é um desabafo. Algumas vezes de forma bruta e outras bem suaves, não importa. O que importa é que quando acordamos e lembramos de que a vida nos faz carregar tantas outras que se passaram e hão de vir, temos um papel ou uma tela em branco pronta para nos dar aconchego. Digo até mesmo a liberdade de sermos o que quisermos ser diante de um mundo nosso divido para tantos outros.

    Explore-o e divirta-se.

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  3. Anônimo12:33 PM

    Escrever é um ótimo remédio para as dores da alma, e muito além disto é um universo de liberdade... Quando se escreve realmente se pode libertar de certos padrões, morais e normalidades! Como disseram, é ter o controle, é ser o Criador!
    Criador, no mais singelo significado. Criar um padre, uma prostituta, ou uma criança e saber o que será de cada criatura...

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