5.10.2013

Pedaço de papel com anotações feitas em uma sala de embarque


Inacreditável a quantidade de LIXO que é possível ouvir apenas sentado por nada mais que meia hora em uma sala de embarque de aeroporto. Palavras que sintetizam os diálogos que pude ouvir: consumo, reclamações, queixinhas, vazio, sentimentalismo, patético, exibicionismo, putas, inveja, esnobismo, teatro, o verbo comprar conjugado em todos os tempos possíveis, Freeshop, medo, profissionalismo, moda, ausência de gosto, ridículo e olhares estupefatos ao me ver escrevendo nesse bloco de papel. Todos ao redor com seus notebooks e tablets, e eu aqui me sujando com tinta de caneta e buscando sintetizar o horror desse lugar que, sinceramente, não deveria existir. Sonho com tempos dos bandeirantes, das rotas de mulas, de longos trajetos percorridos em semanas. Encurtamos as distâncias, relativizamos o tempo. Outrora havia toda uma outra maneira do tempo, do espaço e das pessoas interagirem. Talvez tudo fosse uma enorme merda. Mas me parece que nesse "avanço" o que foi perdido supera, em valor, todos os (supostos) ganhos. Mas não é o progresso, em suma, um abandonar de possibilidades? No jogo infinito dos erros e acertos humanos, o que nos marca como signo fatal é o desperdício, a destruição dos caminhos que poderíamos percorrer. Deixamos de lado as mulas, agora que nos contentemos com os aviões.


PROLEGÔMENOS DA FUTURA ARTE DE ORGANIZAR AEROPORTOS SILENCIOSOS

  • um aeroporto silencioso é aquele onde se fala o mínimo possível; 
  • pessoas que desejam falar (seja com outra pessoa ou através de um aparelho celular)  terão filas, salas de embarque e aviões específicos;
  • sensores de som espalhados pelo aeroporto silencioso identificaram sinais de conversa abusiva. Os que desrespeitarem a regra serão automaticamente amordaçados e transferidos para áreas isoladas do aeroporto, até que fiquem calmos e deixem de falar;
  • área reservada para escritores, filósofos, poetas e quaisquer outras atividades intelectuais. Lá imperará o silêncio e meios analógicos de expressão. Portadores de notebooks, tablets, Kindles e outros não poderão entrar nessa área. Proíbe-se comer e beber (as mastigações e goles produzem um desagradável ruído), mas fuma-se à vontade;
  • gordos, crianças e pessoas que andam devagar terão aviões e salas de embarque específicos;
  • nas filas de despacho de bagagem, haverá um triagem realizada por especialistas em leitura facial: os espertos e organizados serão direcionados a uma fila, enquanto que os não-espertos e não-organizados para outra. Iguais com iguais, democraticamente no mesmo espaço, podendo até mesmo acenar uns para os outros - mas em filas diferentes;
  • graças à medida anterior, é natural que a fila dos espertos e organizados ande muito mais depressa que a dos não-espertos e não-organizados, que ficam sempre enrolados procurando os documentos no momento de despachar as bagagens
  • os Freeshops não terão autorização para vender suas mentiras em aeroportos silenciosos;
  • não haverá avisos sonoros: os passageiros deverão acompanhar em telões os seus portões de embarque e mudanças em horários de pouso e decolagem;
  • é vedado também o uso de óculos de sol dentro do aeroporto silencioso, péssimo hábito muito comum em aeroportos tradicionais.

Um comentário:

  1. As regras dos aeroportos silenciosos seriam muito bem vindas nos ônibus urbanos comuns.

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